quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Flores para Hitler. De Leonard Cohen

Sou um sacerdote de Deus
Sou um sacerdote de Deus
Ando pelas ruas
com os bolsos nas minhas mãos
Às vezes sou mau
e às vezes sou muito bom
Acredito que eu acredito
em tudo que eu preciso
Gosto de ouvir você dizer
enquanto dança com uma cabeça rolando
numa bandeja de prata
que sou um sacerdote de Deus
Achei que estava fazendo outras 100 coisas
mas eu era um sacerdote de Deus
Amei umas 100 mulheres
jamais contei a mesma mentira duas vezes
Eu disse Oh Cristo tu és um egoísta
mas reparti meu pão e arroz
Ouvi minha voz dizer à multidão
que eu estava só e era um sacerdote de Deus
o que me tornou tão vazio
que até hoje em 1966
não estou certo de ser um sacerdote de Deus

Não Judeu
Qualquer um que diga
que não sou um Judeu
não é um Judeu
sinto muito
mas essa decisão
é final

Cristo da Cidade
Após a guerras incontáveis sobreviver,
Ele chega cego e desesperadamente mutilado.
Ele suporta os bondes ao amanhecer
E conta os anos num quarto da rua Peel.
Mantido em seu lugar como um judeu da corte,
Para aconselhar sobre furacões e pragas,
Ele nunca caminha com eles pelo oceano
Ou adere a seus jogos solitários nas calçadas.

O gênio
Por você
eu serei um judeu do gueto
e dançarei
porei meias brancas
em meus membros deformados
e envenenarei poços
por toda a cidade
Por você
eu serei um judeu apóstata
e contarei ao padre español
sobre o voto de sangue
no Talmude
e onde os ossos
do menino estão ocultos
Por você
eu serei um banqueiro judeu
e arruinarei
um velho e orgulhoso rei caçador
e acabarei com sua dinastia
Por você
eu serei um judeu da Broadway
e chorarei em teatros
por minha mãe
e farei pechinchas
por debaixo do pano
Por você
eu serei um médico judeu
e procurarei
em todas as latas de lixo
por prepúcios
para costurar de volta
Por você
eu serei um judeu de Dachau
e cairei na lama
com membros deformados
e uma dor intumescida
que ninguém poderá entender

Uma nota sobre o título
Um
tempo atrás
esse livro seria
chamado
SOL PARA NAPOLEÃO,
e antes disso ainda
ele seria
chamado
MUROS PARA GENGIS KHAN.

Folk
flores para hitler o verão bocejava
flores por toda minha grama nova
e aqui há um vilarejo
estão pintando ele para o feriado
aqui há uma igrejinha
aqui há uma escola
aqui há alguns cães fazendo amor
as bandeiras brilham como roupa lavada
flores para hitler o verão bocejava

Herança
A cena de tortura aconteceu sob uma redoma de vidro
como as que devem proteger um relógio valioso.
quase ouvi um sino tocar
quando puseram a tenaz
e o corpo estremeceu e apagou num desmaio.
Todos eram minúsculos e tinham as bochechas rosadas
e se eu pudesse ouvir um grito de dor ou de triunfo
seria minúsculo como a boca que o emitiu
ou como uma nota só de uma caixinha de música.
A redoma do drama estava ajustada
como uma gigantesca pérola barroca
sobre um anel de noivado ou broche ou medalhão.
Sei que você se sente nua, queridinha.
Sei que você odeia morar no campo
e mal pode esperar pelas revistas brilhantes
que chegam toda semana, todo mês.
Examine a casa de sua avó novamente.
Há uma herança em algum lugar

O fracasso de uma vida secular
O operário da dor chega em casa
após um dia árduo de tortura.
Ele chega com sua tenaz.
Põe no chão sua maleta negra.
Sua mulher lhe bate com uma força
e um grito jamais vistos em sua profissão.
Ele percebeu a vida Dachau dela,
soube que sua carreira estava arruinada.
Havia algo mais a fazer?
Ele vendeu sua maleta e a tenaz,
e se desfez.
Um homem deve ser capaz de levar algo à sua mulher.

O que estou fazendo aqui
Não sei se o mundo mentiu
Eu menti
Não sei se o mundo conspirou contra o amor
Eu conspirei contra o amor
O ambiente de tortura não é consolo
Eu torturei
Mesmo sem o cogumelo atômico ainda assim eu teria odiado
Ouça
Eu faria as mesmas coisas ainda que não houvesse morte alguma
Não serei pego como um bêbado sob a fria corrente dos fatos
Eu recuso o álibi universal
Como uma cabine telefônica vazia vista de noite
e lembrada
como os espelhos de um saguão de cinema
consultados apenas na saída
como uma ninfomaníaca que amarra centenas
em uma estranha irmandade
Eu espero
até cada um de vocês confessar

Hitler o tumor cerebral
Hitler o tumor cerebral espia por meus olhos
Goering derrete barras de ouro em minhas entranhas
Meu pomo-de-adão incha com a cabeça toda de Goebbels
É inútil dizer a um homem que ele é Judeu
Estou fazendo do seu beijo um abajur
Confesse! confesse!
é o que você exige
embora acredite que esteja me entregando tudo

Tudo que há para saber sobre Adolph Eichmann
OLHOS: ............. Médios
CABELOS: ................. Médios
PESO: ............ Médio
ALTURA: ........... Média
TRAÇOS CARACTERÍSTICOS: ...... Nenhum
NÚMERO DE DEDOS: .............. Dez
NÚMERO DE DEDOS DOS PÉS: .............. Dez
INTELIGÊNCIA: ...... Média
O que você esperava?
Garras?
Incisivos enormes?
Saliva verde?
Loucura?

Ópio e Hitler
Muitas crenças
o fizeram fulgir –
ópio e Hitler
o fizeram dormir.
Uma Negra com
um apetite e tanto
ajudou-o a pensar
que não era branco.
Ópio e Hitler
revelaram um mundo
feito de vidro.
Para um assunto
assim inofensivo
não há cura:
o estado se levantou
de um beijo com úlcera.
No céu um sonho
já esteve cravado
um sol de verão
quando estava elevado.
Ele queria nos olhos
uma venda feita de pele,
queria que a tarde
começasse em breve.
Uma lei quebrada –
mais nada iria durar.
Se o mundo era de cera,
o dele a se moldar.
Não! Por uma dose de história
ele ficava todo atrapalhado.
O sol se soltou,
e a sua mulher ao seu lado.
Imersos, seus corpos
faziam uma escuridão tal,
o Líder iniciou
um discurso racial.

Um diálogo em migração
Ele usava bigode preto e cabelos de couro.
Falávamos sobre os ciganos.
Não roa as unhas, eu lhe disse.
Não coma tapetes.
Tome cuidado com os coelhos.
Seja esperto.
Não fique acordado a noite toda assistindo
desfiles no Altas Altas Altas Horas da Madrugada
Não faça caca em seu uniforme.
E quanto a todos os bons generais,
os belos e velhos nobres lutadores,
os valentes Junkers,
os valentes Rommels,
os valentes Embaixadores von Cabelos Prateados
que renunciaram em 41?
Tire esse sorrisinho de seu rosto.
O Capitão Marvel assinou o contrato dos chicotes.
Joe Palooka fabricou os chicotes.
Li’l Abner embalou-os em caixas.
Os irmãos Katzenjammer conceberam experimentos.
Meras engrenagens.
Achou! Miss Sabão Humano.
Isso jamais aconteceu.
Oh castelos do Reno.
Oh loira SS.
Não acredite em tudo que vir nos museus.
Eu disse TIRE ESSE SORRISINHO
incluindo a espuma na boca de nojo e superioridade.
Não gosto do jeito que você vai ao trabalho toda manhã.
Como é possível os ônibus ainda passarem?
Como é possível ainda fazerem filmes?
Eu creio piamente na Segunda Guerra Mundial.
Estou convencido de que aconteceu.
Não estou certo da Primeira Guerra Mundial.
A Guerra Civil Espanhola – talvez.
Eu creio em dentes de ouro.
Eu creio em Churchill.
Não me diga que ateamos fogo em berços.
Acho que você está exagerando.
O Tratado de Westphalen se apagou
como uma mancha de batom no Monumento Blarney.
Napoleão era um bronco sexy.
Hiroshima tirou o Made in Japan do papel.
Acho que devemos deixar as cinzas adormecidas descansarem.
Eu creio piamente em toda a história
Eu me lembro,
mas está cada vez mais difícil lembrar de tanta história.
Há tristes confetes salpicando das janelas dos trens partindo.
Eu deixo que eles partam.
Não posso me lembrar deles.
Eles apitam com tristeza em meu cotidiano.
Eu esqueço os números grandes,
Esqueço o que eles significam.
Eu peço desculpas àquela seção de fotogravuras
de um jornal de 1945 que iniciou o meu aprendizado.
Peço desculpas à esquerda e à direita.
Peço desculpas antecipadamente
a todos nessa grande e bela platéia por meus comentários finais insossos.
Braun,
Raubal e ele Hitler e suas garotas (tenho alguma experiência nesses assuntos),
esses três seres humanos,
Não consigo tirar seus adoráveis corpos nus de minha cabeça.
Traduçom ao portugues de: Fernando de Paulo Koproski e Maurício Mendonça.